domingo, 30 de outubro de 2011

Citação III: João Calvino

"Todas as coisas que contribuem para o enriquecimento desta presente vida são sagrados dons divinos, mas as contaminamos pelo nosso mau uso delas. Se quisermos saber por que razão, a resposta é que estamos sempre entretendo a ilusão de que continuaremos perenemente neste mundo. O resultado é que as mesmas coisas que nos devem ser assistenciais, em nossa peregrinação ao longo da vida, se transformam em cadeias que nos escravizam. A fim de acordar-nos de nosso torpor, o apóstolo corretissimamente nos convida a uma retrospecção sobre a brevidade desta vida. Disto ele deduz que a maneira pela qual devemos fazer uso de todas as coisas deste mundo é pela consciência de que não as possuímos. Pois aquele que pensa em si próprio como sendo um estranho que atravessa este mundo usa as coisas que lhe pertencem como se elas pertencessem a outro; em outras palavras, coisas que são em caráter de empréstimo por apenas um dia. A questão é que a mente do cristão não deve entulhar-se de imagens das coisas terrenas, ou encontrar satisfação nelas, porquanto devemos viver a vida como se fôssemos deixar este mundo a qualquer momento."

(comentário a 1 Coríntios 7.29, em 1 Coríntios, São Paulo, Edições Paracletos, 1996, p. 230-231)

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A soberania banida VII

O sexto capítulo, que trata dos temas da depravação total e eleição incondicional, também é excelente. Impressionou-me particularmente o tratamento bíblico do primeiro tema, não por sua profundidade, pois é apenas um roteiro esquemático de quatro páginas, mas por sua abrangência e clareza. Wright descreve a doutrina bíblica da depravação desdobrando-a em cinco proposições:

1. Desde a Queda de Adão e Eva, todas as pessoas nascem espiritualmente mortas em sua natureza pecaminosa e, portanto, requerem uma regeneração para a vida que elas não possuem naturalmente.

2. Por serem decaídos, o coração e a mente natural são pecaminosamente corruptos e ignorantes.

3. Como a totalidade da natureza está envolvida na Queda e seus resultados, os pecadores são escravos do pecado.

4. Ninguém escapa das tendências iníquas da natureza pecaminosa adâmica.

5. Entregues a si mesmos, os mortos em delitos e pecados não possuem nenhuma capacidade espiritual para reformarem a si mesmos, ou para se arrependerem ou crerem salvadoramente.

sábado, 22 de outubro de 2011

Citação II: Richard Baxter

"Assim como o próprio Cristo ou será recebido com honra ou nem sequer será recebido, assim deve acontecer com a misericórdia e a graça que Ele oferece. Ele não aplicará o Seu sangue e a Sua justiça àqueles que não lhes dão valor. Ele não perdoará tamanha quantidade de iniquidades, nem removerá as montanhas de pecado que se encontram sobre a alma daqueles que não sentem a necessidade de tal misericórdia. Ele não resgatará do poder do mal, da opressão do pecado e das portas do inferno - e não fará membros de Seu próprio corpo, filhos de Deus e herdeiros dos céus - aqueles que não aprenderam a valorizar estes benefícios e que continuam voltados para seus pecados e misérias, e para as frivolidades e vaidades do mundo. Cristo não menospreza o Seu sangue, o Seu Espírito, a Sua aliança, o Seu perdão ou a Sua herança celestial e, portanto, Ele não os dará a ninguém que os despreze até que o ensine a reconhecer o enorme valor de todas essas bênçãos. Você pensa que estaria de acordo com a sabedoria de Cristo conceder bênçãos tão preciosas como estas a homens que não têm coração para valorizá-las? Ora, dar a um homem a justificação e a adoção é mais do que dar a ele todo este mundo visível: o sol, a lua, o firmamento e a terra. Deveriam estas graças ser concedidas a alguém que faz pouco caso delas? Assim Deus não consumaria o Seu propósito. Ele não obteria o amor, a honra ou a gratidão que Ele tenciona receber pelo dom concedido. É necessário, portanto, que a alma seja totalmente humilhada, a fim de que o perdão seja recebido como perdão, e a graça como graça, e não sejam indevidamente negligenciados."

(Richard Baxter, Quebrantamento: espírito de humilhação, Ananindeua, Knox Publicações, 2008, p. 36)

terça-feira, 18 de outubro de 2011

O grande jogo XVIII

O penúltimo capítulo, Preto no branco, trata de questões raciais, e nele se encontram lado a lado verdades profundas e besteiras igualmente profundas, talvez como em nenhuma outra parte do livro. Magnoli faz bem em apontar para a queda na prosperidade dos negros americanos desde a implementação das ações afirmativas, mas atribui as cotas a uma "reação conservadora" com base no fato de ter sido financiada por instituições como a Fundação Ford. A estrutura do argumento é muito simples: se é uma medida não favorece os oprimidos e tem gente rica apoiando, só pode ser coisa da direita. Ocorre, porém, que essa maneira tipicamente esquerdista de encarar a realidade não corresponde aos fatos. Se correspondesse, não haveria explicação para o amplo apoio de bilionários americanos e europeus a eventos como o Fórum Social Mundial, para dar só um exemplo. Nos EUA, todo mundo sabe que os ricaços todos favorecem a esquerda e geralmente apóiam o candidato mais intervencionista, e que quem se opõe às ações afirmativas são os conservadores. Mas Magnoli acha que os defensores das cotas são não só direitistas, mas "ultraliberais", como se criar leis adicionais com base na cor da pele das pessoas fosse um perfeito exemplo de Estado mínimo. Ele também acha que Bush é "ultraliberal", como se o ex-presidente americano não tivesse promovido inchaço estatal algum. Não é de admirar que, diante de tamanha confusão, Magnoli veja como "paradoxal" a adesão do PT às cotas raciais. Ele simplesmente não entende nada do que está acontecendo.

Com base em sua confusão, Magnoli teoriza, com a profundidade de um panfleto eleitoreiro, que "o pensamento ultraliberal enxerga a sociedade como conjunto de consumidores", enquanto "o pensamento de esquerda enxerga a sociedade como conjunto de cidadãos", de modo que a ênfase do primeiro está na igualdade econômica e a do segundo está na igualdade política. Basta dizer que, segundo essa definição, Marx seria de direita e todos os conservadores que conheço seriam de esquerda. É certo que Magnoli não é um marxista, estando mais próximo de ser um herdeiro direto da Revolução Francesa, mas isso não lhe dá o direito de redefinir os termos de maneira contrária à amplamente utilizada só para angariar à esquerda os méritos de seus adversários. Além do mais, a aplicação que ele faz desses conceitos à questão específica das ações afirmativas demonstra simples ignorância histórica. Afinal, não foi Marcuse quem propôs a ação de todas as categorias de excluídos (e não só os pobres) em prol da revolução socialista?

Magnoli diz muitas outras bobagens que não me animo sequer a mencionar, mas o capítulo tem suas qualidades. Por exemplo, ele denuncia de modo mui apropriado que o recente endeusamento de Zumbi dos Palmares está ligado ao desprezo pelos movimentos abolicionistas do século XIX, já que a Abolição em si é interpretada como mera artimanha capitalista. Diz Magnoli que adotar essa versão revisada da história é "obliterar os nomes das sociedades abolicionistas, com seus jornais e heróicos estratagemas que permitiram fugas de milhares de escravos das fazendas. Os revisionistas passaram a borracha na saudação de Raul Pompéia aos escravos rebelados [...]. Eles condenam ao limbo os jangadeiros ceareneses que se recusaram a transportar aos navios os escravos vendidos para outras províncias, os tipógrafos que não imprimiram panfletos antiabolicionistas, os ferroviários que escondiam os negros fugidos em vagões ou estações de trem. A Abolição foi uma luta popular moderna, compartilhada por brasileiros de todos os tons de pele." Só é uma pena que o leitor não tenha sido informado de que Zumbi não foi herói nenhum, e sim mais um dono de escravos, como bem demonstram as pesquisas históricas mais recentes.

Magnoli deve ser um dos mais ferrenhos inimigos das ações afirmativas no Brasil, infelizmente. Pois, com essa ideologia política confusa, ele não tem muita chance de obter sucesso em suas denúncias.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Citação I: Cornelius Van Til

Resolvo inaugurar neste blog uma nova seção, cujo objetivo é trazer citações interessantes, e nada além delas. Para começar, uma de Cornelius Van Til que li na contracapa de um livro do próprio - livro que encontrei na avantajada estante do pastor e amigo Samuel Vitalino na última vez que estive em seu escritório pastoral, em Salvador. Achei a citação tão interessante que fotografei a contracapa que a continha, a fim de não perder seu conteúdo. Como, porém, não tive a esperteza de fotografar também a capa, não poderei fazer a referência devidamente. Contando, pois, com o perdão dos leitores, vamos ao que interessa:

"Sendo autoexplanatório, Deus naturalmente fala com absoluta autoridade. É Cristo, como Deus, quem fala na Bíblia. Portanto, a Bíblia não apela para a razão humana dando-lhe o papel último na justificação do que lhe diz, mas vem ao ser humano com autoridade absoluta, reivindicando que a própria razão humana deve ser entendida tal como a Escritura a descreve, a saber, como criada por Deus e, portanto, apropriadamente sujeita à autoridade de Deus."

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

A soberania banida VI

O quinto capítulo, intitulado A salvação como a escolha de Deus: tudo é pela graça, é excelente. A primeira parte trata do ensino de Spurgeon sobre a natureza da vontade depravada do homem não-regenerado. O trecho a seguir, extraído de seu célebre sermão Livre arbítrio, um escravo, resume a questão de maneira deveras interessante. Não posso deixar de lembrar disso toda vez que ouço alguém dizendo que o arminianismo não dá lugar ao orgulho no coração humano.

"É provável que você tenha ouvido muitos grandes sermões arminianos, mas você nunca ouviu uma oração arminiana, porque os santos em oração aparecem como sendo um em palavra, atos e mente. Um arminiano de joelhos ora desesperadamente da mesma maneira que um calvinista. [...] Imagine-o orando: 'Senhor, eu te agradeço porque não sou como os pobres e presunçosos calvinistas. Senhor, eu nasci com um glorioso livre arbítrio; nasci com um poder pelo qual posso me voltar para ti por mim mesmo; tenho melhorado minha graça. Se todos tivessem feito com sua graça o que faço com a minha, todos poderiam ter sido salvos. Senhor, eu sei que tu não nos tornas desejosos se não somos desejosos por nós mesmos. [...] Não foi tua graça que fez a diferença entre nós. [...] Eu fiz uso daquilo que me foi dado, e os outros não; essa é a diferença entre nós.'"

O restante do capítulo trata das origens do movimento arminiano, dos remonstrantes na Holanda e dos cinco pontos do calvinismo, tais como foram declarados em Dort. Wright se baseia em um trabalho de Frederic Platt para argumentar que o arminianismo foi o responsável por abrir espaço, no seio das igrejas reformadas, para o humanismo, o liberalismo, o racionalismo e o latitudinarismo. Embora, felizmente, um arminiano não precise necessariamente enveredar por esse caminho, parece-me que o autor está correto ao apontá-lo como responsável pela abertura de portas que deveriam ter permanecido bem trancadas. Em sua busca por consistência interna, o arminianismo posterior não apenas abriu mão da perseverança dos santos, que Armínio ainda sustentara, mas também abriu espaço para tendências teológicas ainda mais danosas.

Devo registrar, no entanto, que não acho justo culpar o arminianismo pela presença de todos esses males dentro da igreja, sobretudo no caso do racionalismo. Uma repulsa mal orientada pelo arminianismo pode levar a um curso não tão diferente. A tentação libertária do arminiano é a contraparte da tentação determinista do calvinista, e ambas são empréstimos indevidos de cosmovisões alheias às Escrituras. Mas já falei sobre isso nos posts anteriores, e não vou repetir tudo aqui.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Top twenty

Publiquei no outro blog um post contendo uma lista brevemente comentada dos livros que, com boa aproximação, podem ser considerados os mais importantes de minha vida até o presente momento.